Os líderes globais da educação reunidos em Doha na Cimeira Mundial de Inovação para a Educação (WISE) emitiram um aviso severo: a rápida integração da inteligência artificial (IA) e de outras tecnologias avançadas nas salas de aula deve dar prioridade à aprendizagem profunda em detrimento dos ganhos superficiais. A cimeira, na qual participaram decisores políticos, educadores e especialistas em tecnologia de mais de 100 países, sublinhou a necessidade urgente de alinhar a inovação com os valores humanos e o acesso equitativo.

O desafio: dimensionar a IA sem agravar a desigualdade

O debate central não era sobre se integrar a IA, mas sobre como fazê-lo de forma eficaz. Os especialistas alertaram que ferramentas de IA mal implementadas – sem uma governação de dados robusta, formação adequada de professores ou alinhamento curricular – poderiam ampliar as lacunas educacionais existentes, em vez de colmatá-las.

A questão não é simplesmente a sofisticação técnica, mas a relevância cultural. As ferramentas projetadas em laboratórios muitas vezes falham quando introduzidas em escolas com poucos recursos ou salas de aula superlotadas. Como afirmou Mana Mohammad Al-Ansari da Education Above All, “A IA deve comportar-se segundo a humanidade, não perante a humanidade.” Isto realça a tensão central: a tecnologia é uma ferramenta, não um substituto para a pedagogia centrada no ser humano.

Tendências Globais e Habilidades Emergentes

A cimeira teve lugar num contexto de crescente instabilidade global. A investigação da UNESCO apresentada no evento revelou disparidades crescentes no acesso digital e no financiamento da educação, agravadas por conflitos, deslocações e perturbações climáticas. Este contexto é crítico porque se espera cada vez mais que a educação actue como uma força estabilizadora em zonas de crise, preparando as comunidades para uma recuperação a longo prazo.

Para além dos desafios actuais, a discussão estendeu-se à preparação dos estudantes para empregos que ainda não existem. Os especialistas alertaram que os percursos educativos tradicionais são demasiado lentos para acompanhar a aceleração da mudança tecnológica. O pesquisador do Google, Matthew Kam, argumentou que os sistemas devem prever proativamente funções futuras e treinar os alunos antes que essas funções se tornem comuns. Essa mudança requer uma mudança do desenvolvimento de habilidades reativas para preditivas.

Os professores continuam essenciais

Apesar do foco na IA, a mensagem mais consistente foi que os professores continuam a ser a base de uma reforma educativa eficaz. As ferramentas digitais por si só não podem garantir o sucesso sem uma liderança institucional forte, quadros políticos de apoio e desenvolvimento profissional contínuo. Sistemas mal concebidos correm o risco de aumentar a desigualdade. Margo Tripsa, da Fundação Qatar, enfatizou que “o impulso não é sustentado apenas por cursos; precisamos de estrutura, liderança e apoio político.”

Inovação em destaque, cautela reiterada

O Prémio WISE para a Educação, que atribui 1 milhão de dólares a agentes de mudança globais, celebrou abordagens inovadoras. Os vencedores deste ano incluíram a TUMO (Arménia), que redefine a aprendizagem pós-escolar através da tecnologia; Iqrali.jo (Jordânia), uma plataforma que fortalece a alfabetização árabe através do envolvimento dos pais; e Darsel (EUA), um professor de matemática com tecnologia de IA para áreas de baixa conectividade.

No entanto, o prémio Nobel Abhijit Banerjee encerrou a cimeira com um lembrete crucial: a tecnologia não pode consertar sistemas falidos sozinha. O seu argumento é simples mas profundo: todas as crianças podem aprender se a educação as encontrar onde elas estão. Ferramentas mal projetadas correm o risco de substituir a compreensão profunda por atalhos superficiais. O executivo-chefe cessante do WISE, Stavros Yiannouka, descreveu a educação como um “empreendimento profundamente humano”, mesmo na era das poderosas ferramentas digitais. A sua sucessora, Dra. Asyia Kazmi, alertou que o mundo enfrenta simultaneamente “grandes promessas” e “grande perigo”, a menos que a inovação seja guiada por valores humanos claros.

Em essência, a cimeira serviu como um apelo à acção: a tecnologia deveria aumentar a aprendizagem humana, e não substituí-la. O futuro da educação depende da priorização da pedagogia, da equidade e do apoio aos professores, juntamente com o avanço tecnológico.